Vamos lá começar pelo mais importante antes que comecem a perguntar «Mas afinal qual é o clube do gajo?». Sou sócio do Benfica desde 1992. Arrumada esta questão, abordemos o que interessa.

Nas últimas épocas, mas de uma forma inesperadamente intensa nos últimos meses, aumentaram os níveis de asneirada na discussão sobre futebol. Alcançando valores que julgava impossível entre mamíferos bípedes. Como se sabe, o bipedismo é o que distingue os jogadores de futebol dos jogadores de futebol-aranha.

Esta asneirada nasce de um cadinho facilmente identificável: um conjunto de dirigentes desportivos sem classe, um batalhão de ex-jogadores e jornalistas desempregados e uma comunicação social sem dinheiro para investir em conteúdos e a desesperada por vender publicidade. Se juntarmos uma pitada de um negócio milionário cujo resultado depende de imponderáveis e está sujeito a fraudes, temos o cozinhado perfeito.

O clima de guerrilha é particularmente aceso nas redes sociais que, como diria o infelizmente desaparecido Umberto Eco, “deram voz a uma legião de imbecis”. Há de tudo: ameaças físicas, análises conscientemente inquinadas, recados velados, violações da privacidade e horas passadas no Photoshop. A estupidez anda à solta e o pudor e a educação não a conseguem capturar. É assustador perceber que muitos destes anormais são protegidos (para dizer o mínimo) pelas estruturas dos respectivos clubes para espalharem uma mensagem que é facilmente reproduzida e amplificada pelos restantes opinion makers de facção.

Infelizmente, o raciocínio imbecil passou do twitter e do facebook para o mainstream media como se fosse um vírus. As mensagens veladas das capas dos jornais desportivos, as suas colunas de opinião e os programas de comentário desportivo dos canais de cabo são festivais de peixeirada. Ao pé desta cambada, a aldeia do Astérix parece um jardim-de-infância. A troca de bocas até pode ser divertida durante os primeiros segundos, mas rapidamente deixa de ser engraçada, depois torna-se triste, deprimente e, por fim perigosa.

Há números que ajudam a explicar o que se passa. O Record teve uma circulação de 48 mil exemplares em Outubro de 2015. Em Outubro de 2010, esse valor fora de 66 mil. O Jogo vendia 30 mil jornais em Outubro de 2010, mas ficou-se pelos 20 mil cinco anos depois. O Dia Seguinte da SIC Notícias obteve um share médio de 2,8% em 2015, mais 47% que o share médio do canal nesse ano. O Prolongamento da TVI24 chegou aos 2,6% de share, 63% acima da média da TVI24. O Trio de Ataque da (agora) RTP3 ficou-se pelos 1,9%, o que representa um acréscimo de 111% face ao share médio do canal em 2015. O mercado dos media está tão difícil que os fins começam a justificar os meios. Quanto maior a peixeirada, mais olhos a verem ou a lerem e mais anúncios se vendem.

O que me faz muita confusão é que ninguém se sinta responsabilizado. Quando acontecer uma desgraça – e, por este andar, vai seguramente acontecer uma desgraça – todos os intervenientes lamentarão o sucedido, sacudindo a água do seu capote enquanto apontam o dedo ao vizinho.

Esta situação é o resultado de termos dirigentes irresponsáveis que querem ganhar a todo o custo. Para tal orquestram e aceitam campanhas cujo único objectivo é inflamar, manipular e orientar as hostes. Para não ser acusado de clubismo, vou dar dois exemplos do meu clube. Nenhum benfiquista com dois ou mais neurónios se sente representado pelo Pedro Guerra. A única emoção que ele provoca é de vergonha. É inaceitável que um vice-presidente da direcção e vogal da SAD do Benfica, como o Rui Gomes da Silva, seja comentador. Defende o Benfica enquanto adepto independente ou a direcção e administração a que pertence e a cujas deliberações é solidariamente responsável pelos estatutos?

As direcções de informação dos meios de comunicação social também são culpadas. Demitiram-se dos princípios éticos que os deviam orientar em busca do share. A vida está difícil, aceito, mas será preciso tanto? É preciso lata para se ser um dos comentadores betinhos do Maisfutebol das sextas à noite. Falam muito do futebol “bonito” e esquecem-se que estão no mesmo estúdio onde, quatro dias antes, se grava um Prolongamento que, nos moldes actuais, devia ser cancelado. Quando assistirmos a episódios graves de violência vão pôr aquela cara pesarosa e arrastar a voz, omitindo que o canal que lhes paga lucrou muito dinheiro à conta dos decibéis de canastrões que contribuíram para que essa violência ocorresse.

O que é curioso, mas ainda mais triste, é que o mau caminho do futebol está a ser copiado pela política. Os canais de televisão passam horas a discutir política com comentadores que representam o pensamento único dos seus partidos. Custe o que custar. As redes sociais estão cheias de fundamentalistas intolerantes que ou são parvos ou representam interesses sem os declarar. E na mais recente discussão do Orçamento de Estado houve canais de notícias a emular a multiplicidade de entradas de informação da Bloomberg ou de um jogo de futebol em directo: rodapés com tweets, resumos infográficos, citações de “bocas”. Só faltou o televoto para ganharem dinheiro à conta do espectador.

Qualquer dia, teremos claques organizadas dos partidos. Veremos se também as obrigam a legalizar-se.

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